Artérias são vasos que saem da aorta e levam sangue rico em oxigênio e nutrientes para os órgãos. Ao longo da vida algumas doenças geram placas ricas em gordura e células inflamatórias na parede desses vasos, chamadas placas ateroscleróticas. Estas podem aumentar até ocluir a artéria, uma situação clínica denominada obstrução arterial crônica.

As artérias dos membros inferiores são locais frequentemente afetados por obstrução aterosclerótica crônica, o que pode gerar várias manifestações clínicas.

PREVALÊNCIA

É inferior a 2% em pessoas abaixo dos 50 anos, aumentando para mais de 5% a partir dos 70 anos. Exames complementares mostram que a doença assintomática é 3 a 4 vezes mais frequente do que quando avaliada somente pela presença de sintomas.

O tabagismo constitui o principal fator de risco para doença arterial periférica. Outros fatores importantes são hipertensão arterial, diabetes melitus e aumento do colesterol.

QUADRO CLÍNICO

Claudicação intermitente 

Durante a caminhada ou corrida os músculos necessitam de maior suprimento de sangue oxigenado e nutrientes, porém, lesões ateroscleróticas nas artérias reduzem o fluxo sanguíneo (isquemia), ocasionando o aparecimento de dor, que é chamada de claudicação intermitente.

Ocorre com maior frequência na musculatura posterior da perna e caracteriza-se por sensação de aperto ou cãibra, sendo constante para uma mesma distância de caminhada.

Este sintoma difere da dor decorrente de outras causas, como hérnia de disco. Nesta a queixa não guarda relação com a atividade muscular, ora ocorrendo quando o indivíduo anda distâncias maiores, ora após breves caminhadas e, por vezes, até parado por tempo prolongado.

O membro em repouso não mostra nenhum outro sinal de isquemia, a não ser a diminuição ou ausência das pulsações arteriais. Ao ser elevado pode aparecer palidez no pé.

Isquemia crítica

Neste estágio o fluxo de sangue está tão reduzido que não há oxigênio e nutrientes suficientes para manter o funcionamento normal dos músculos e tecidos mesmo em repouso, o que faz com que ocorra dor de forma contínua no membro afetado.

A dor em repouso é de grande intensidade e de difícil controle mesmo com utilização de analgésicos potentes. Manifesta-se nas porções mais distais da extremidade, principalmente à noite, e por isso o paciente passa a dormir sentado com a perna pendente na tentativa de aliviar a dor, posição que favorece o aparecimento de edema (inchaço) no membro.

O risco de amputação nesta fase é muito maior, sendo o tabagismo o principal fator responsável por esta progressão. Diabetes também contribui para evolução desfavorável, com maior número de amputações nesses pacientes.

Além da dor de repouso e da ausência de pulsações arteriais, podem ocorrer outros sinais de insuficiência arterial grave como:

  • Palidez.
  • Atrofia muscular.
  • Perda de pelos.
  • Alteração da aparência das unhas.
  • Úlceras (feridas).
  • Necrose (gangrena).
  • Hipotermia (membro frio).

HISTÓRIA NATURAL

A claudicação intermitente é considerada manifestação benigna, pelo baixo risco de perda do membro, de aproximadamente 1% ao ano. Cerca de 75% a 80% dos pacientes permanecem estáveis ou melhoram ao longo do tempo, principalmente se tratados adequadamente.

A expectativa de vida dos pacientes com claudicação intermitente é menor do que a da população sem claudicação de mesma faixa etária, estimando‑se um índice de mortalidade de 3% a 5% ao ano. A principal causa de óbito é o infarto do miocárdio, seguida por acidente vascular cerebral (derrame), o que ressalta a gravidade da doença aterosclerótica.

Já a isquemia crítica, se não tratada com intervenção cirúrgica, invariavelmente tende a evoluir para necessidade de amputação.

DIAGNÓSTICO

O índice tornozelo‑braço (ITB) é obtido a partir da razão entre a pressão sistólica nas artérias do pé com a pressão sistólica na artéria braquial, utilizando um aparelho portátil chamado doppler ultrassom.

Enquanto em pacientes claudicantes esse índice fica entre 0,5 e 0,9, em casos de isquemia crítica ele é inferior a 0,5. Em diabéticos pode ocorrer calcificação da parede arterial, o que dificulta a compressão da mesma pelo manguito do aparelho de medir a pressão e, consequentemente, gera valores anormais, o que torna o índice não fidedigno.

A ultrassonografia doppler é um exame não invasivo que avalia o fluxo nas artérias e a estrutura da parede vascular. Assim, identifica e demonstra os efeitos hemodinâmicos das obstruções ateroscleróticas. 

A angiotomografia computadorizada combina a técnica de tomografia computadorizada com a angiografia, desta forma permite estudo detalhado das artérias dos membros. Atualmente é o exame mais utilizado para planejamento cirúrgico.

A angiografia é o padrão‑ouro dos métodos de estudo da circulação arterial periférica, porém trata‑se de método invasivo, devendo ser utilizada criteriosamente. Atualmente é muito utilizada já com o intuito de tratamento, durante os procedimentos endovasculares.

TRATAMENTO CLÍNICO 

O tratamento inicial de todos os pacientes com doença arterial deve ser clínico, com controle de todos os fatores de risco da aterosclerose, implementação de treinamento físico e tratamento medicamentoso. 

Abolição do fumo: o paciente deve ser orientado intensivamente a parar de fumar. O tabagismo causa efeitos deletérios na camada interna dos vasos, nas plaquetas, nos lípides e na coagulação sanguínea. Os pacientes claudicantes que deixam de fumar conseguem caminhar uma distância até 2 vezes maior em comparação ao início do quadro.

Condicionamento Físico: constitui a base do tratamento clínico do paciente claudicante. Programas com exercícios supervisionados têm se mostrados mais efetivos do que aqueles realizados em casa, porém mesmo exercícios sem supervisão são benéficos se os pacientes forem adequadamente orientados. Caminhadas diárias de uma hora de duração, em terreno plano, são efetivas em aumentar progressivamente a distância útil de marcha.

Medicamentos: o tratamento farmacológico do paciente com claudicação intermitente tem como objetivo reduzir a mortalidade cardiovascular e não a distância de claudicação. Portanto, todos os fatores de risco, como hipertensão e diabetes, devem ser controlados rigorosamente. Antiagregantes plaquetários são prescritos para reduzir a incidência de eventos trombóticos nos territórios cardíaco, cerebral e periférico.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Indicação em claudicação

No paciente com claudicação intermitente, a indicação de cirurgia firma‑se, fundamentalmente, nas seguintes condições:

a) o sintoma deve ser limitante, causando dificuldades ao paciente nas suas atividades, não tendo havido resposta favorável ao tratamento clínico.

b) o paciente não deve apresentar limitações clínicas importantes, mormente em termos de doença cardíaca (o infarto do miocárdio é a principal causa de óbito no período pós-operatório).

c) o estudo de imagem deve demonstrar a presença de lesões ateroscleróticas passíveis de serem restauradas, que após o tratamento permitam bom fluxo de sangue para os membros inferiores.

Indicação em isquemia critica

Nestes casos, com ou sem lesões tróficas, o tratamento cirúrgico se impõe, já que é uma condição que se não tratada pode levar, na maior parte dos casos, à perda do membro afetado.

Várias técnicas têm sido utilizadas no tratamento da doença arterial dos membros inferiores, dependendo da localização e da extensão das lesões.

TRATAMENTO CIRÚRGICO CONVENCIONAL

As derivações arteriais (pontes) estão indicadas nas lesões obstrutivas arteriais extensas e fornecem resultados mais duradouros.

No membro inferior o enxerto mais utilizado é a veia safena magna, que nem sempre tem calibre adequado ou está disponível. Nessa circunstância podem ser utilizadas outras veias (safena parva ou do membro superior). Próteses de Dacron ou Politetrafluoretileno (PTFE) são efetivas nas restaurações realizadas acima do joelho, apresentando resultados sofríveis quando implantadas da perna.

TRATAMENTO ENDOVASCULAR

A angioplastia (dilatação da artéria com balão), associada ou não à colocação de stent, um dispositivo que pode auxiliar a manter a artéria aberta em alguns casos, é uma modalidade menos invasiva, pois o tratamento é feito através de cateterismo, sem incisões na pele.

Porém, há ainda muita discussão na literatura médica sobre quais casos devem ser tratados por este método pois, a depender da extensão da doença aterosclerótica e da gravidade do quadro clínico, pode ser mais benéfico para alguns pacientes a realização de derivação arterial como primeira opção.